sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Do sistema de arte utilitária às Belas Artes



















Séc XVIII e o resurgimento do conceito de arte, ou Arte


Ao fim do século XVIII artista e artesão converteram-se em terminações opostas. Antes disto, as artes envolviam toda uma gama de atividades humanas que lhes davam com matérias-primas, habilidades técnicas e funcionalidades. Este primeiro conceito opunha-se, portanto, ao “estado natural” das coisas, no entanto a Arte, ou “Bela Arte”, emancipada pelos movimentos artísticos da época, definiu-se [o que já era em si inédito, e portanto, seu nascimento] como sendo oposta não mais somente à “natureza” das coisas, mas oposta também ao artesanato funcional, às artes mecânicas ou de mero entretenimento, à sua “irmã congênita”. O novo conceito portanto tenta restringir-se à um tipo específico de fazer artístico, um fazer que não está diretamente mais ligado com o “usar”, mas sim com o “apreciar”. Sendo assim surgem: o artista, como aquele quem concebe uma obra de arte; e o artesão, como aquele que faz algo de útil ou ligado à um mero entretenimento.

Enquanto o conceito mais abrangente de arte era vigente, o artista/artesão era sempre financiado por um patrão que especificava o conteúdo, forma e materiais, prevendo resultados para alguma finalidade pessoal do contratante, que assim interpelava na habilidade técnica de um artesão-artista, e com a orientação sua, ou por razões atribuídas à um misticismo, eram ocasionalmente celebradas por obterem um caráter apreciativo além de sua funcionalidade original, como por exemplo seriam as inúmeras obras encomendadas pelas igrejas, que poderiam facilmente ser apreciadas por ateus.

A transformação do conceito de arte, portanto, está ligada à mudança no sistema de patronato artístico para um mercado de Arte ou público de classe média, o que também relaciona-se intimamente com uma certa reelaboração das relações de poder entre as diferentes e emergentes classes sociais da época, e imprime ao fazer artístico uma autonomia inédita.

Mas a arte não é somente um conjunto de concepções, conceitos, práticas e instituições, pois em seu público causa efeitos dramáticos, como poderosas emoções e expressões de sentimentos culturalmente consolidados, gera epifanias e redefine [ou re-indefine] o ser humano a cada instante. Sendo assim ela é também algo em que as pessoas ao mesmo tempo que acreditam, sabem. Uma espécie de fonte de satisfação existencial, ou alívio mútuo entre a angústia (ou reflexão) do “astronauta-artista” e a reflexão (ou angústia) do “astrônomo-público”. Uma das crenças centrais do moderno sistema de Arte tem sido que o dinheiro ou a classe artística ou social são irrelevantes para a criação e apreciação da Arte, mas inegável é a influência que os valores materiais, e até mesmo os financeiros, têm arraigado não só às técnicas, mas como também às concepções e motivações das obras. Afinal, indústria e Arte podem finalmente dançar juntas, ou a 7a arte estará sempre em um plano à parte?

Se o que motivava as antigas artes era a funcionalidade e habilidade técnicas, e posteriormente sua capacidade de ser apreciada, o que motiva a coeva Arte? Essa nova Arte quer engendrar em si a responsabilidade sócio-cultural da emancipação do pensamento tanto como fenômeno físico, quanto fenômeno racional. É o comunicar mais que além do significado de uma mera organização de palavras ou argumentos, ou além das curvas, cores e dimensões de uma tela, ou além das emoções testemunhadas num palco de teatro burguês ou de teatro de rua. É uma arte com sabedoria sócio-antropológica, influencia de inúmeras culturas e épocas condensadas numa só perspectiva. Esta Arte pretende trazer luz à mistérios mais insolúveis que a morte, ou que o infinito do universo, ou a criação do mundo, quer resolver questões ainda mais sutis que as “verdades racionais” ou crenças históricas, quer debruçar-se, sobretudo, diante do enigma da própria natureza criadora da humanidade, quer debruçar-se sobre si mesma, e por fim revelar-se eternamente misteriosa. O que essencialmente revela a Arte ainda não se sabe, mas ao mesmo tempo não há dúvidas quando algo está sendo revelado...


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